06 fevereiro 2012

Destino dos Desprezados | Hermes Machado

Destino dos Desprezados I No Mundo e nos Livros

O prédio estava decaído. Destoava do propósito do qual servia, dado a depreciação diagnosticada pela depredação. No portão de entrada, dois soldados em uma viatura de policia defendiam as pessoas que concorriam pela convivência naquele lugar. As grades de ferro nas várias janelas destacadas na fachada do pavilhão denunciava a desconfiança e o descrédito nos transeuntes que passavam pelo local. Havia buracos nas vidraças, mas não de rombos deflagradas por pedradas. Furos precisos não deixavam dúvidas. Deduzia-se pelos vestígios, marcas de projéteis disparados por armas de diferentes calibres. As paredes que davam aspecto e identidade aquela instituição estavam vestido de cor desbotada pelo descaso e pichadas pelos filhos da desordem que compartilhavam aquele espaço, refletindo a educação a dispor de pais descompassados com o dever primário de civilidade, incumbido a esses cidadãos, garantido pela constituição brasileira. Por trás dos muros, doravante entre 1300 desapontados,incluiam-se educadores, educandos, técnicos e auxiliares da administração diligenciando para garantir a integração social e o direito à grade curricular dos ensinos fundamental e médio, contudo desajustada aos desígnios de tempos difíceis. É noite, final de expediente. Na sala dos professores entre um café e apontamentos de matérias para as aulas do dia seguinte, uma discussão entre docentes do ensino médio principia-se.


“E aí Mateus, você decidiu que medida tomará com o Gledson?”, desejava saber a jovem professora de história sobre a decisão que o professor de matemática tomaria em relação ao baixo rendimento escolar do aluno citado.

“Não tem jeito, Helena. A ordem vem de cima. Tenho de fazer vistasgrossas e cumprir o que está determinado. Esse é mais um que vou promover para  próxima etapa. Consciente do crime que comete o experiente mestre,calculista, cumpre a ‘cartilha’ e pouco questiona seus efeitos deletérios sob pena de exclusão da dedicada carreira de magistrar. Conivente, ele aceita o dispositivo estabelecido pela direção da instituição criada para deseducar e formar jovens despreparados para o exercício pleno da cidadania. E assim, contribui com a estatística que norteia a evolução dos índices na educação do país, para desinformados acreditarem. Não é o caso de Helena. Atenta ao despautério que essa distorção resulta à sociedade em profissionais desabilitados, desastrados e perniciosos, ela discorda e justifica:

“Não é assim que formaremos futuros cidadãos, gente que fará valer seus direitos e deveres. Os jovens que enganamos hoje serão os maus profissionais motivados à fraude de toda espécie.”

Ao ouvi-la, já impaciente, Mateus refuta as observações da docente de história:

“Estamos demãos atadas. Não podemos reprovar nem punir os maus alunos. Como educá-los num ambiente tão hostil, padrão das atuais instituições públicas de educação, apenas com considerações entre pais e mestres? Enquanto me desgasto conscientizando um aluno-problema que não me deixa prosseguir com a aula, recebo insultos, ameaças e deboche dos demais. O aluno não cumpre as tarefas. Se o cobro, eu corro o risco de ser mal interpretado por ele, pelos pais e até pela direção escolar, sempre provida de normas, as quais, devo seguir. Certa vez um amigo escritor me disse: ‘A violência e o dolo nas escolas e outros domínios da sociedade é o destino dos desprezados para haver de serem vistos e ouvidos.Vivemos em um país onde o dinheiro é a déspota divindade. Ao povo desvalido que poupa sua dignidade como única garantia de riqueza, as castas organizadas continuam dispensando ração e distração. A ostentação dos abastados em um Brasil de miseráveis traz dor e cólera.’ Enfim Helena, faço o que me pagam para  fazer. E olha que não é pouco. Quem paga os remédios que faço uso para conter minha ansiedade? A escola, a sociedade? Dou duro em três escolas e mal consigo pagar minhas contas.”

Solidária as justificações do professor, todavia ainda abnegada as suascrenças de futuro melhor para a educação no Brasil, resolveu lhe fazer um convite:

“Faremos um mutirão nos próximos quatro finais de semana para deixar a escola mais bonita.Antes, promoveremos um bingo com prendas doadas por comerciantes da associaçãode bairro e com o dinheiro arrecadado daremos início as reparações. Vamos  mutirão,pintar, trocar vidros e mais o que for preciso para dar distinção a esta construção. Tenho aqui, professor Mateus, uma lista de voluntários que se comprometem a participar. Inclui-se a ela professores, alunos, pais, e pessoal da administração. Então, posso contar com você?

Hermes Machado é escritor paulistano que vive na Baixada Santista. Antes de iniciar a carreira literária atuou como guia para congressos nos Estados Unidos, foi executivo de empresas e gestor de negócio proprio. É autor do romance Vitória na XXV, possui contos e crônicas em sites e jornais impressos no Brasil e exterior.

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