Em um pequeno lugarejo pertencente às terras habitadas pelos
tupiniquins dois jovens cresciam, à medida que gozavam da educação dada
por seus pais; cada qual desses brasileirinhos, de acordo com os
hábitos de suas respectivas famílias. Ocorre que apesar de se terem
ambas as famílias condições financeiras similares, o modo pelo qual
educavam seus filhos era deveras um tanto quanto distinto. Jô, filho de
José das Pedras e Maria Costura, fora educado desde a tenra infância ao
hábito salutar da leitura. José das Pedras, homem rude pela falta de
formação educacional e desgastado pelo trabalho braçal não desejando o
mesmo futuro para o filho encarregava-se de adquirir literaturas
infantis em um acanhado sebo naquela localidade, para então, de posse
das diminutas fábulas, fossem estas lidas por ele ou pela esposa Maria
na presença do filho sempre que esse ia dormir.
Passados alguns anos e freqüentando a escola, Jô via
inestimável prazer nos livros e assim maravilhava-se com
incontáveis títulos e assuntos que ao serem retirados da biblioteca por
empréstimo lhe saciavam a sua sede de saber. Já na casa de Krelson,
filho de Fausto e Ana Maria, tal gosto pela leitura não vingou, uma vez
que seu pai só se interessava por programas de entretenimento na
televisão e a mãe por assuntos relacionados à culinária. À medida que
Krelson ia crescendo, tão logo retornava das aulas que assistia na
escola devotava seu tempo de folga na sala de TV, consumindo cultura no
formato “prato feito” fosse como fosse adquirindo a mesma informação que
outros milhões de telespectadores estavam vendo.
“O atual modelo televisivo é produzido para não fazer pensar. A
programação oferecida é veloz e massificada. Chega ao despautério de
extenuar àquele que lhe devota seu tempo.” – Teria o pai ouvido da
boca de um colega de botequim formado em filosofia, mas não lhe
dava ouvidos porque o PH.D, formado na alemanha era alcoólatra.
De outra forma, quando Krelson não era atraído pelos
desejos visuais da TV era traído pelo desperdício de tempo que despendia
navegando por salas de bate papo na rede mundial de computadores. Com o
passar dos anos o jovem se distanciou do relacionamento intimista que
havia entre ele e seus pais, todavia porque achava que as fontes de
conhecimentos deles estavam superadas e caducadas. Com o novo
vocabulário que lhe agregava comunicabilidade nas salas de bate papo
somados a linguagem adquirida na roda estudantil de colegas de mesma
afinidade, Krelson distanciou-se de vez dos pais, passando grande parte
do tempo entocado em seu quarto em companhia das músicas, em cujas
letras agregavam péssimo mau gosto daqueles que as escreviam e cujo
ritmo era de alto poder alucinógeno, contudo para aliciar as mentes
incautas. O mesmo não ocorreu com o desenvolvimento intelectual de
Jô. Tão logo, terminava seus deveres escolares e enquanto estava
livre dessas obrigações dispunha tempo em algum momento do dia para
leitura de escritores consagrados, tanto dos brasileiros quanto dos
estrangeiros. Já nesta fase seus pais o incentivavam aos debates que
realizavam quinzenalmente dentro de casa. Nesta ocasião, era um
privilégio para Jô resumir e tirar suas conclusões, sobre o
livro que havia lido, na presença dos progenitores. A relação de
Jô com seus pais tomava consistência, deveras pelo laço criado lá nos
tempos de sua meninice quando os pais lhe contavam historinhas para
dormir.
“Quem possui livros, jamais vive só. A literatura molda aquele que se
predispõe a discorrer sobre cada palavra escrita contida no livro
fazendo-lhe refletir e recriar uma nova história, a sua história.” –
persuadia os pais ao filho.
Não demorou muito para a família notar a independência interpretativa de
Jô que dava a ele pleno discernimento para as escolhas “à la carte”
que lhe agregavam valores de toda sorte e o fazia seguir na vida
autonomamente em busca de seus objetivos. O tempo correu para ambos os
jovens tupiniquins e o final desta história é provavelmente o que
determina a evolução da educação nos lares brasileiros dependendo tão
somente do que se está oferecendo para os filhos: Prato feito ou à la
carte?
Hermes Machado é escritor paulistano que vive na Baixada
Santista. Antes de iniciar a carreira literária atuou como guia para
congressos nos Estados Unidos, foi executivo de empresas e gestor de
negócio próprio. É autor do romance Vitória na XXV, possui contos e
crônicas em sites e jornais impressos no Brasil e exterior.