22 outubro 2012

Prato feito ou à la carte I Hermes Machado

Em um pequeno lugarejo pertencente às terras habitadas pelos tupiniquins dois jovens cresciam, à medida que gozavam da educação dada por seus pais; cada qual desses brasileirinhos, de acordo com os hábitos de suas respectivas famílias. Ocorre que apesar de se terem ambas as famílias condições financeiras similares, o modo pelo qual educavam seus filhos era deveras um tanto quanto distinto. Jô, filho de José das Pedras e Maria Costura, fora educado desde a tenra infância ao hábito salutar da leitura. José das Pedras, homem rude pela falta de formação educacional e desgastado pelo trabalho braçal não desejando o mesmo futuro para o filho encarregava-se de adquirir literaturas infantis em um acanhado sebo naquela localidade, para então, de posse das diminutas fábulas, fossem estas lidas por ele ou pela esposa Maria na presença do filho sempre que esse ia dormir. 
Passados alguns anos e freqüentando a escola, Jô via inestimável prazer nos livros e assim maravilhava-se com incontáveis títulos e assuntos que ao serem retirados da biblioteca por empréstimo lhe saciavam a sua sede de saber. Já na casa de Krelson, filho de Fausto e Ana Maria, tal gosto pela leitura não vingou, uma vez que seu pai só se interessava por programas de entretenimento na televisão e a mãe por assuntos relacionados à culinária. À medida que Krelson ia crescendo, tão logo retornava das aulas que assistia na escola devotava seu tempo de folga na sala de TV, consumindo cultura no formato “prato feito” fosse como fosse adquirindo a mesma informação que outros milhões de telespectadores estavam vendo.
 A literatura molda aquele que se predispõe a discorrer sobre cada palavra escrita contida no livro fazendo-lhe refletir e recriar uma nova história, a sua história.
“O atual modelo televisivo é produzido para não fazer pensar. A programação oferecida é veloz e massificada. Chega ao despautério de extenuar àquele que lhe devota seu tempo.” – Teria o pai ouvido da boca de um colega de botequim formado em filosofia, mas não lhe dava ouvidos porque o PH.D, formado na alemanha era alcoólatra. 
De outra forma, quando Krelson não era atraído pelos desejos visuais da TV era traído pelo desperdício de tempo que despendia navegando por salas de bate papo na rede mundial de computadores. Com o passar dos anos o jovem se distanciou do relacionamento intimista que havia entre ele e seus pais, todavia porque achava que as fontes de conhecimentos deles estavam superadas e caducadas. Com o novo vocabulário que lhe agregava comunicabilidade nas salas de bate papo somados a linguagem adquirida na roda estudantil de colegas de mesma afinidade, Krelson distanciou-se de vez dos pais, passando grande parte do tempo entocado em seu quarto em companhia das músicas, em cujas letras agregavam péssimo mau gosto daqueles que as escreviam e cujo ritmo era de alto poder alucinógeno, contudo para aliciar as mentes incautas. O mesmo não ocorreu com o desenvolvimento intelectual de Jô. Tão logo, terminava seus deveres escolares e enquanto estava livre dessas obrigações dispunha tempo em algum momento do dia para leitura de escritores consagrados, tanto dos brasileiros quanto dos estrangeiros. Já nesta fase seus pais o incentivavam aos debates que realizavam quinzenalmente dentro de casa. Nesta ocasião, era um privilégio para Jô resumir e tirar suas conclusões, sobre o livro que havia lido, na presença dos progenitores. A relação de Jô com seus pais tomava consistência, deveras pelo laço criado lá nos tempos de sua meninice quando os pais lhe contavam historinhas para dormir.
“Quem possui livros, jamais vive só. A literatura molda aquele que se predispõe a discorrer sobre cada palavra escrita contida no livro fazendo-lhe refletir e recriar uma nova história, a sua história.” – persuadia os pais ao filho.
Não demorou muito para a família notar a independência interpretativa de Jô que dava a ele pleno discernimento para as escolhas “à la carte” que lhe agregavam valores de toda sorte e o fazia seguir na vida autonomamente em busca de seus objetivos. O tempo correu para ambos os jovens tupiniquins e o final desta história é provavelmente o que determina a evolução da educação nos lares brasileiros dependendo tão somente do que se está oferecendo para os filhos: Prato feito ou à la carte?

Hermes Machado é escritor paulistano que vive na Baixada Santista. Antes de iniciar a carreira literária atuou como guia para congressos nos Estados Unidos, foi executivo de empresas e gestor de negócio próprio. É autor do romance Vitória na XXV, possui contos e crônicas em sites e jornais impressos no Brasil e exterior.