14 agosto 2011

O Fabuloso Famígero | Hermes Machado

O FABULOSO FAMÍGERO | No Mundo e Nos Livros


Zona Vermelha da Megalok. Jack Sparrow, codinome dado pelos amigos cybermanos, dada sua maneira similar de se vestir à personagem protagonista de Piratas do Caribe, resolve sem ser convidado, pisar em território alheio. Promete aos amigos entrar sozinho no templo dos clubbers e de lá, sair com uma garota. Garante registrar tudo em sua câmera digital. A balada, o motel, a vítima e os predicados íntimos dela.

Seus amigos, por sua vez, prometem estar por volta das duas da manhã na porta de saída do local indicado por ele.

‘Se rolar alguma treta, pode deixar cum nóis chegado, é nóis na fita.’

Sexta-Feira. Diante do espelho, Jack faz a adequação dos piercings. Procede a metamorfose. Atarraxa um deles na ponta da língua, dois na orelha esquerda e outro na ala do nariz. Lenço ajeitado na cabeça com nó e estampas de piratas do Caribe, conferem-no personalidade cínica e excêntrica. Causar impacto é a meta, ser notado, seu prêmio. Calça de vinil colada no corpo, camiseta baby-look de cor azul anil e tênis modelo tube, antimpacto, já, de visual montado, ele parte para o melhor clubber-dance da cidade. Pega uma composição de metrô e segue até a zona Verde. Desce na estação laranja. Pelo caminho, agora a pé, nota espanto nos olhos arregalados das pessoas mais velhas que passam por ele. Parado num cruzamento e esperando o semáforo para pedestres abrir, sente uma leve rajada morna de vento que chacoalha por um instante os badulaques da sua fronte. Algo lhe faz imaginar que o tal bafo morno teria sido provocado por batidas de azas de algum ser alado. Seria, semelhante aragem indício de vôo de fuga da ancestral personagem Gregório Samsa, aterrorizado ao ver-lhe trajado daquela forma? Não querendo repetir a aquela estranha sensação disse para consigo:
Uma pastilha colorida eleva seu estado de consciência. Ingere goela adentro. Assim como Neo na Matrix e sua pílula vermelha, ele transcende as fronteiras de tempo e espaço.
‘Vou queimar uma vela pro santo do Kafka.’

Entra Num bar e pede um marlboro. Saca um cigarro, leva-o a boca, acende-o e puxa o primeiro trago com ares de mocinho valente do comercial de TV. Ainda no bar e tendo uma boa perspectiva da danceteria, olha para o relógio e se dá conta que é hora de entrar:

‘A balada está bombando’.

Mais uma vez atravessa a rua, agora do bar para o afamado salão. Para em frente ao guichê do Gotham City Clubber, antigamente, um enorme galpão usado por indústrias de confecções. Suntuosos portões de entrada são mantidos em atenta vigilância pelos leões de chácara ou seriam tigres de bronze? Na bilheteria desembolsa a terça parte do salário, preço simbólico para ingressar num mundo de falso prestígio e excitante noitada de prazer. Passa pela minuciosa revista de Hitman e seus olhos de raio xis. De cara fechada ouve o decreto:

‘Firmeza, mano. Tá limpo e liberado. Pode passar.’ – Entra no grande cogumelo mágico. O jogo delirante de luzes e a energia das músicas eletrônicas techno, trance, house, drum e bass em nuances de overdubs pede entorpecimento para alma. Capitão Bumerangue, o anfitrião, aproxima-se e lhe dá boas vindas. Uma pastilha colorida eleva seu estado de consciência. Ingere goela adentro. Assim como Neo na Matrix e sua pílula vermelha, ele transcende as fronteiras de tempo e espaço. Para ele, a festa só está começando. Encosta no balcão encouraçado, de tampo de mármore carrara e pede ao bar-man um red-bull. Deglute em suaves sorvos. O efeito combinado entre êxtase e energético somados as luzes e sons atordoantes o impelem para pista de dança:

‘Agora estou pronto pra voar.’ – Em estado de transe, mexe-se e remexe-se todo. Às vezes em movimentos lentos e robotizados, em outras, como pavão, que num único golpe, distende seu colorido penacho. Neste instante, Jack Sparrow é tomado por um espasmo ao esbarrar-se com a Mulher Gato. Atraem-se ambos pelo estilo de vanguarda. Sem delongas, aglutinam-se os corpos, as bocas, as sensações. O mundo para. Ele, o capitão dos mares, o salteador de corações alheios, atraca-se à sedutora e dominadora felina. Coitado do capitão. De que lhe serve a pixote e rígida espada, ante o alongado chicote que a vigarista gata borralheira lhe desfere esfolando e ardendo suas carnes, à medida que lhe induz a brincar de pular corda. A estranha artimanha da Mulher Gato usada para seduzir Jack Sparrow atrai outros omens que, assim como o capitão dos mares, eles também procuram seu grande tesouro, o H que lhes faltam. Muitos deles percebem que o capitão é um forasteiro. Também não duvidam que Mulher Gato é de todos, mas também de ninguém.

‘Quem é esse maluco no nosso pedaço embaçando nossa Mulher Gato?’ – ergue a voz estridente, o príncipe maquiavélico Pingüim, chamando a atenção de Asa Noturna. Este avisa Batman que enciumado diz ao seu inseparável amigo Robin que não vai deixar barato. Robin, por sua vez, coloca pimenta na cachola atormentada do companheiro. Batman se rebela. Reúne o grupo que conta com Exterminador, Pistoleiro e Asa Noturna; sim, aquele mesmo do semáforo que cruzou o caminho de Sparrow em vôo desvairado quando esse seguia para Gotham City. Até Charada que há tempos não dava com a cara por lá, disse que queria ralar com a personagem principal da maldição do Pérola Negra. Duas horas da madrugada de Sábado. Jack Sparrow observa a estranha movimentação em torno dele. Sabe que corre risco. Saca da pochete o celular e tenta contato com o astuto Capitão Barbossa. Aparelho fora de área. Tenta outro número. Desta vez, liga para o lendário e assustador Davy Jones, senhor das profundezas. Este lhe atende ao celular, mas diz que não pode vir porque está naufragado em depressão após perder sua amada para um bastardo qualquer. Ao desligar o celular ele se dá conta da falta da Mulher Gato. Olha para os lados e se surpreende com a gatuna engalfinhada a Batgirl entre beijos e roçar-se de corpos. Desiludido resolve sair dali. Duas e quinze. Cruza os portões de saída do Gotham City. Nada aparentemente estranho. Caminha em direção de um ponto de táxi. Ao dobrar uma esquina depara-se com Asa Noturna que avança sobre ele num único salto acertando-lhe a face com os dois calcanhares. O capitão desaba junto ao meio fio da sarjeta. Começa a saraivada de golpes. Exterminador se aproxima em passos firmes e lhe desfere um potente pontapé na cabeça. Pistoleiro não deixa por menos, corre e pula com os dois pés sobre a genitália do indefeso. Robin pisa e espreme o rosto dele contra o solo. Charada não o ataca, mas se diverte enquanto incentiva os comparsas da tribo de Gotham City a massacrar até dizimar o falso imortal Pirata do Caribe.


Hermes Machado é escritor que antes de iniciar a carreira literária atuou como guia para congressos nos Estados Unidos, foi executivo de empresas e gestor de negócio proprio. É autor do romance Vitória na XXV, possui contos e crônicas em sites e jornais impressos no Brasil e exterior.

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