A senha para saborear o bolo I No Mundo e Nos Livros
Ainda morando na casa de seus pais, o jovem rapaz apelidado por Thom, quando se preparava para ir dormir em seu quarto notou seu pai entretido com um novo título de livro, desta vez, “O Príncipe de Nicolau Maquiavel”. Naquele dia Thom resolveu perguntar ao seu pai, Normando Castelo, algo que lhe perturbava: Qual era a importância dada por ele à leitura de tantos livros? A resposta do pai lhe sobreveio de pronto:
A leitura desses livros, sobretudo os de literatura, leva-me para
lugares que não teria condições de conhecer de outra forma. É nesses
livros que viajo aos confins da terra. Posso voltar ao passado e
observar com os olhos da mente cada passo da heroína Joana D’arc em sua
saga em prol da liberdade da França, posso acompanhar as batalhas do
grande guerreiro grego Acquiles contra os troianos, posso enfim, através
dos livros ter consciência dos erros e acertos dos homens e com isso
estar prudente quanto aos meus próprios passos no decorrer da vida que
me é reservada.
Também posso lhe afirmar meu filho que é nos livros que tenho os mais
vastos conhecimentos sobre assuntos que envolvem as carreiras
profissionais mais diversas, sejam elas nos campos da economia, justiça,
política, indústria, comércio, guerra, religião e assim consigo dar boa
interpretação dos códigos de linguagem usados por esses profissionais
dos mais diversos setores da sociedade. – Não entendendo muito bem o que
seu pai quis dizer com referência aos códigos de linguagem, seu filho
indagou?
O que o senhor quer me dizer com isso pai? Por acaso há alguma relação
com palavras técnicas usadas em um meio profissional? – Percebendo o
interesse do
Filho, Normando Castelo lhe apresentou um romance que já havia lido outrora:
Veja o quão interessante é este romance meu filho; a história trata do
envolvimento de uma filha e do suposto namorado na autoria da morte de
seus pais para obter de maneira sórdida a herança. Aqui, nesse romance,
através das letras e linhas impressas em unidades de pensamentos
formando uma engenhosa teia de idéias relacionadas é possível, à medida
que se lê, acompanhar de camarote, de maneira tal como um privilegiado
expectador, cada passo arquitetado, pela filha e seu namorado na prática
de um crime bárbaro.
Também é possível observar o meticuloso trabalho de policiais e peritos
no encalço de provas que possam incriminar possíveis suspeitos. Por fim,
o complexo jogo de xadrez onde de um lado do tabuleiro se encontra o
promotor, representando a vítima e do outro o defensor dos supostos
autores do crime. Cada um desses exímios artistas do pensar, munidos de
perícias, resultante do exercício contínuo de leituras e releituras de
milhares de laudas processuais que lhes trazem suporte para mais uma
envolvente batalha judicial. Desta forma filho, o que quero lhe mostrar é
que a leitura de modo geral, seja ela provinda de um artigo de jornal
ou revista, de um gibi ou de uma história infanto-juvenil acresce
valores indispensáveis na formação dos nossos modos de pensar quanto as
possíveis interpretações que daremos sobre o mundo e a vida, não
obstante vivenciada nos livros.
Infelizmente vivemos em uma sociedade desinteressada pelo indispensável
hábito da leitura e isso se dá, sobretudo nas classes desfavorecidas
onde justamente esta consciência favorável à leitura seria a chave certa
que abriria as portas do saber para o melhor posicionamento social,
educacional e profissional. – concluiu o pai.
Pensativo, thom perguntou: Se é este o caminho, por que falta interesse
nas famílias de modo geral pelo bom gosto das leituras de qualidade?
– Isto como dizia seu avô, meu filho, são outros quinhentos! O que posso
lhe adiantar é que vivemos numa sociedade capitalista. As regras do
jogo são determinadas por quem está no poder, sempre alicerçando o
controle nas mãos da elite pensante.
É muito fácil manter o poder quando se tem uma população desinformada,
desinteressada, desestruturada socialmente, marginalizada e segregada.
Informação é poder. O bolo é grande e delicioso. Há muitas pessoas na
festa. Elas são empanturradas com balinhas, docinhos e salgadinhos, mas o
bolo... Este, por enquanto, ainda é repartido entre poucos
privilegiados. Portanto meu filho, se você quer saborear o que há de
melhor na festa e se posso sugerir, sobretudo aos jovens, qual é a senha
para ter o direito de saborear o bolo, minha sugestão é:
Vá consumindo sem demora, as estórias dos livros que estão se corroendo
por traças nas estantes abarrotadas das bibliotecas públicas, por falta
de uso ou nos porões de suas casas. Devore-os e você certamente
encontrará a senha, quem sabe no mais roto dos livros.
Hermes Machado é escritor paulistano que vive na Baixada
Santista. Antes de iniciar a carreira literária atuou como guia para
congressos nos Estados Unidos, foi executivo de empresas e gestor de
negócio próprio. É autor do romance Vitória na XXV, possui contos e
crônicas em sites e jornais impressos no Brasil e exterior.
***